O Brasil é um país de águas cada vez mais vivas. Dos igarapés amazônicos aos grandes rios do Centro-Oeste, das lagoas do Sul às corredeiras do Cerrado, corre a vida em nossas águas. Poucos lugares no planeta reúnem tamanha diversidade biológica. E quando o assunto é peixe de água doce, o Brasil tem destaque absoluto.
Hoje, são cerca de 3.800 espécies descritas oficialmente, mas pesquisadores afirmam que o número real pode ficar entre 5 mil e 7 mil. Boa parte delas ainda sequer tem nome. A cada expedição científica, novas espécies são descobertas e catalogadas. Um trabalho minucioso, que exige tempo, paciência e conhecimento.
O biólogo Fernando Dagosta, pesquisador em ictiologia, explica que descrever uma espécie é como criar um RG biológico: cada peixe ganha uma “identidade científica”, com suas características físicas, habitat e comportamento.
“Esse processo é demorado e extremamente técnico. No ritmo atual, levaremos entre 30 e 90 anos para conhecer completamente toda a fauna de peixes de água doce que o Brasil abriga”, comenta o pesquisador.
Foto: Fish TV.
A imensa extensão territorial e a diversidade climática ajudam a explicar o porquê de o Brasil concentrar tamanha variedade.
“O país está localizado em uma região de estabilidade climática há milhões de anos, o que favoreceu a diversificação e a sobrevivência das espécies”, explica Dagosta.
A soma de todos esses ecossistemas faz do Brasil um mosaico natural sem igual, que impressiona pesquisadores e fascina pescadores esportivos do mundo inteiro.
Foto: Arquivo Pessoal / Antônio Molinari.
Essa riqueza biológica também é motor de desenvolvimento. No coração do país, o Rio Araguaia é um dos exemplos mais emblemáticos de como a biodiversidade de peixes pode transformar uma região.
A cidade goiana de Aruanã, banhada pelo Araguaia, vive intensamente da pesca esportiva. A secretária de Turismo, Priscila Godoy, conta que a variedade de espécies atrai visitantes de todo o país e do exterior.
“Aqui o turista pode escolher: pescar os gigantes, como a piraíba e a pirarara, ou se divertir com espécies menores, como o mandubé, o barbado, o piau e o apapá”, explica.
Segundo ela, cerca de 60% da economia local gira em torno da pesca esportiva, movimentando hotéis, pousadas, comércios e serviços. Mas, além do lado econômico, o impacto é também educativo. “
A pesca esportiva conscientiza a população sobre a importância de preservar o rio. Ensinamos desde cedo, nas escolas, o pesque e solte e o respeito à natureza”, afirma Priscila.
Ameaças à biodiversidade
Foto: Fish TV.
Apesar do protagonismo global, o Brasil vive um alerta constante. A degradação dos ecossistemas aquáticos ameaça diretamente essa diversidade. Entre os principais problemas estão o assoreamento, a poluição dos rios, o desmatamento das margens e a construção de hidrelétricas que interrompem o fluxo natural das águas.
Dagosta explica que transformar um rio de calha livre em um reservatório muda completamente o equilíbrio ecológico.
“Espécies como o tucunaré e a tilápia acabam dominando o ambiente, competindo com os peixes nativos e colocando em risco toda a cadeia natural”, afirma o pesquisador.
Outra preocupação é a perda dos micro-habitats, pequenos refúgios formados por galhos, troncos e pedras onde vivem espécies de pequeno porte, muitas vezes desconhecidas do público.
“Esses peixes menores, como lambaris e cascudos, são extremamente sensíveis e têm papel essencial no equilíbrio dos ecossistemas”, completa.
Preservar é garantir o futuro
Foto: Arquivo Pessoal / Bruno Borsari.
Diante desse cenário, iniciativas de conservação e gestão sustentável ganham força. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), por exemplo, coordena o Livro Vermelho da Fauna Brasileira, um dos mais importantes levantamentos sobre espécies ameaçadas do país.
Mas o desafio vai além de registrar: é preciso agir. Políticas de proteção, educação ambiental e fiscalização efetiva são fundamentais para garantir que as próximas gerações ainda possam conhecer essa riqueza.
Programas de Cota Zero, que estimulam o pesque e solte e proíbem o abate de determinadas espécies, têm mostrado resultados positivos.
“O turista fotografa o peixe e o devolve ao rio. Assim, ele contribui para manter o equilíbrio e garante que outros também possam viver a mesma experiência”, destaca Priscila Godoy.
Preservar essa imensa variedade de espécies é um dever coletivo: de pesquisadores, autoridades, pescadores esportivos e da sociedade.
Cada peixe descrito, cada rio protegido, cada criança que aprende a respeitar a natureza, é um passo na direção certa.
Afinal, proteger os rios é proteger a nossa identidade. O Brasil é e deve continuar sendo o país das águas sempre vivas.
Enquanto houver quem pesque, estude, admire e cuide, os rios brasileiros continuarão contando histórias de ciência, paixão e vida.
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