A decisão da Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio) de incluir a tilápia na Lista Nacional Oficial de Espécies Exóticas Invasoras gerou uma certa agitação.
No Brasil, a tilápia é o peixe mais cultivado na piscicultura, e alguns produtores temem que essa classificação traga mais dificuldades ou até mesmo a proibição total da atividade.
No entanto, as falas oficiais e a análise de especialistas técnicos apontam para uma situação mais focada no meio ambiente do que na economia.
O que é a tilápia e por que ela causa preocupação?
Foto: Animalia / Wikimedia Commons.
A tilápia é um peixe originário da África, da bacia do Rio Nilo, e chegou ao Brasil na década de 1930. Ela é considerada uma espécie exótica por não ser nativa daqui.
O biólogo Telton Ramos, com mestrado e doutorado e pós-doutorado em Ciências Biológicas, sempre trabalhou com peixes de água doce. Ele fundou o Instituto Peixes da Caatinga.
Atualmente, está como professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, além de atuar como divulgador científico no perfil das redes sociais Peixes da Caatinga.
Em entrevista para a Fish TV, Telton explica que o peixe se tornou popular na piscicultura devido a uma "seleção artificial", que o deixou com um desenvolvimento muito rápido e resistente.
"É uma espécie que em poucos meses ela já está pronta para ser utilizada na alimentação", diz Telton.
A preocupação ambiental surge porque a tilápia é uma espécie invasora, pois tem sido encontrada em rios e lagos naturais, fora das áreas de criação. Isso causa problemas, já que ela compete com espécies nativas e altera os ecossistemas aquáticos.
O biólogo reforça que, atualmente, novos estudos já mostraram que a tilápia invadiu até mesmo unidades de conservação.
O que vai mudar?
Foto: Wikimedia Commons.
Telton Ramos garante que a inclusão oficial na lista não trará grandes mudanças para quem cria o peixe legalmente.
"Se a tilápia entrar na lista de espécies exóticas invasoras, não vai modificar muita coisa," afirma Ramos. Ele explica que o principal objetivo da medida é apenas criar políticas públicas para controlar o peixe no meio ambiente, e não proibir sua criação.
Segundo ele, o grande problema de invasão ocorre principalmente pela prática do "peixamento", onde a tilápia é solta em rios, lagos e açudes, muitas vezes por políticos. O especialista diz que a ideia da Conabio é "tentar regrar isso, evitar que esse peixe continue invadindo os nossos ambientes naturais, e não evitar que esse peixe seja criado pelos piscicultores. Uma coisa não tem a ver com a outra.
Portanto, o que deve acontecer é:
Mais fiscalização: O biólogo prevê uma "fiscalização maior para evitar que esse peixe adentre nos rios, nos ambientes naturais".
Segurança ambiental: O objetivo é ter regras para "trazer uma maior segurança" para evitar que o peixe caia nos ecossistemas e prejudique a fauna nativa.
O temor dos produtores e a posição dos Ministérios
Foto: Fish TV.
Apesar das explicações técnicas, os produtores expressam grande medo. Eles temem que a classificação oficial como invasora crie incerteza jurídica ou leve a burocracias maiores para conseguir licenças ambientais.
Em contato com a Fish TV, o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) emitiu uma nota e também manifestou preocupação com a ausência de regras claras sobre como a lista será aplicada ao licenciamento ambiental.
Veja a nota do MPA na íntegra:
“O Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) reafirma seu compromisso com o desenvolvimento sustentável da aquicultura e da pesca no Brasil e informa que acompanha atentamente as discussões, no âmbito da Comissão Nacional de Biodiversidade (CONABIO), sobre a minuta de resolução que propõe a “Lista Nacional Oficial de Espécies Exóticas Invasoras” e a “Lista Prioritária” para prevenção, controle e monitoramento dessas espécies.
Desde a apresentação inicial da proposta, o MPA manifestou preocupação com os potenciais impactos econômicos e sociais decorrentes da inclusão, nessa lista, de espécies amplamente utilizadas na aquicultura brasileira, como a tilápia, o tambaqui, o pacu, o pirarucu, o camarão-marinho (Litopenaeus vannamei), a ostra do Pacífico e a macroalga Kappaphycus alvarezii. Essas espécies são pilares da produção aquícola nacional, representando, juntas, cerca de 90% da produção e um valor estimado em R$ 9,6 bilhões (PPM/IBGE, 2025).
Esse montante se traduz em geração de renda, empregos e segurança alimentar para o país.
Considerando os possíveis efeitos sobre o licenciamento ambiental, o comércio interno e externo, o crédito e o funcionamento das cadeias produtivas, o MPA solicitou ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) maiores esclarecimentos quanto à aplicabilidade da lista e à rastreabilidade dos impactos decorrentes.
Uma das principais preocupações do Ministério diz respeito à ausência de informações sobre os procedimentos a serem adotados após a eventual publicação da Lista de Espécies Exóticas Invasoras, especialmente no que se refere ao licenciamento ambiental, atualmente o maior gargalo da atividade.
Esse processo pode ser inviabilizado, uma vez que não há legislação federal que permita o licenciamento de espécies exóticas invasoras, apenas de espécies detectadas nas regiões hidrográficas.
Além disso, o MPA solicitou prazo adicional para análise técnica detalhada da proposta, de modo a assegurar que qualquer decisão seja fundamentada em evidências científicas atualizadas e no diálogo amplo com o setor produtivo e a sociedade civil.
Com essa finalidade, o Ministério convocou reunião extraordinária do Conselho Nacional de Aquicultura e Pesca (CONAPE), espaço consultivo que reúne representantes da administração pública, sociedade civil, produtores e pesquisadores, para debater o tema e colher contribuições técnicas.
O MPA também vem coordenando, em conjunto com universidades, institutos de pesquisa e representantes do setor, uma revisão criteriosa das fichas de avaliação das espécies, com o objetivo de subsidiar a CONABIO com informações robustas e equilibradas.
As contribuições recebidas estão sendo consolidadas em um documento técnico próprio do MPA, que será encaminhado à CONABIO dentro do prazo estabelecido. Essa ação reforça o compromisso do Ministério com o diálogo interinstitucional, a ciência e o fortalecimento responsável e sustentável da aquicultura e da pesca no Brasil.”
Contrariando os receios, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) afirmou em nota que a medida é de "caráter técnico e preventivo" e que não há qualquer proposta ou planejamento para interromper o cultivo comercial da tilápia no país.
A espécie continua autorizada pelo Ibama. Telton Ramos concorda com o MMA: "Eu não consigo ver como a inserção da tilápia na lista de espécies invasoras no Brasil causará declínio na piscicultura."
Ele lembra ainda que a tilápia traz "muito lucro para a piscicultura" e, por isso, não seria do interesse do país proibir a atividade.
O Ministério do Meio Ambiente busca, em última análise, proteger a natureza e a biodiversidade brasileira, que possui a maior diversidade de peixes de água doce do mundo, sem prejudicar um setor econômico tão importante.
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