A presença de peixes fora dos seus habitats naturais tornou-se um dos temas mais discutidos na gestão ambiental contemporânea. No Brasil, a convivência entre espécies nativas, espécies exóticas e espécies exóticas invasoras envolve ciência, legislação, economia e também o cotidiano da pesca esportiva, um setor que movimenta turismo, renda e gera empregos em diferentes regiões do país.
O que são espécies exóticas e espécies exóticas invasoras?
Existe uma diferença importante entre espécie exótica e espécie exótica invasora. A primeira é aquela que foi levada para fora da sua área natural de distribuição.
Já a espécie exótica invasora, é aquela que, após essa introdução, consegue se estabelecer, se reproduzir e se espalhar pelo ambiente, trazendo impactos para espécies nativas ou para o funcionamento dos ambientes.

Foto: Robert Poss / Commons Wikimedia
No Brasil, essa dinâmica é ainda mais complexa por conta da dimensão continental do território. Cada bacia hidrográfica funciona como um sistema próprio e isolado. Isso significa que uma espécie pode ser “brasileira” e ainda assim ser invasora em outra região do próprio país.
Um peixe nativo da Amazônia, por exemplo, pode ser considerado exótico, e até invasor, em outra bacia, mesmo que ambas estejam dentro de um mesmo bioma.
E a presença dessas espécies em regiões fora de sua distribuição natural é resultado de diferentes processos. Seja por introduções antigas, ligadas às transformações dos rios em grandes reservatórios, nas décadas de 60 e 70, ou por solturas ocorridas ao longo dos anos, incluindo ações ilegais realizadas por diferentes agentes, algumas espécies acabam se estabelecendo em locais onde não ocorriam naturalmente.
Porém, conforme explica o biólogo Jean Vitule, a ideia de que “soltar peixes sempre é melhor” é equivocada. Embora pareça positivo aumentar o número de espécies em um lago, essa prática pode gerar uma série de problemas ecológicos, que são alvo de estudos no mundo todo.
“A ideia é que soltar peixes sempre é melhor, quanto mais peixes, mais espécies tiver em um lago, é melhor para pescar. Porém, em um primeiro momento você tem uma espécie, em um segundo momento ela pode introduzir parasitas, doenças, pode competir com as espécies nativas, diminuir as populações locais, mudar a transparência da água, coloração da água e outros parâmetros físicos e químicos do ambiente” afirmou.
Essas mudanças ilustram como cada espécie introduzida pode gerar respostas diferentes no ambiente. E, entre elas, estão peixes extremamente esportivos e importantes na atividade de pesca esportiva.
O Tucunaré
Um peixe símbolo da pesca esportiva, o tucunaré, por exemplo, é uma das espécies que pode ser invasora em algumas regiões.
Natural da região amazônica, da Bacia Tocantins-Araguaia, é possível encontrar exemplares em diversas outras regiões do Brasil, que evidencia que a espécie foi translocada para ambientes onde não ocorria naturalmente.

Foto: Leandro Sanches.
Segundo o biólogo Mário Orsi, a presença da espécie em outros locais, fora do seu habitat, pode gerar diferentes alterações nos ecossistemas. Ele explica que o tucunaré foi introduzido em outras áreas sem que se tivesse dimensão das consequências que isso poderia trazer para a ictiofauna nativa.
"O tucunaré, por desinformação geral na época e por não terem ideia da dimensão dos impactos que ele poderia causar, foi trazido para suprir uma suposta falta de peixes em reservatórios. Então, essa espécie começou a interagir. Por ser um predador topo de cadeia, começou a predar diversas espécies, competir com outros predadores nativos desses reservatórios e ainda trazer patógenos e parasitas para essas espécies” disse.
Ele explica que essas interações podem atingir diferentes níveis das populações nativas.
"E os riscos são desde a diminuição das populações nativas, a diminuição da variabilidade genética delas, chegando até ao extremo de extinções pontuais onde eles estão ocorrendo junto com as nativas".
Por outro lado, em diversos municípios, a presença desses peixes, especialmente do tucunaré, impulsiona o turismo de pesca esportiva, movimentando pousadas, restaurantes, lojas especializadas, gerando renda e emprego para famílias que dependem da atividade. Sendo um importante ativo no desenvolvimento econômico dessas regiões.
Quem destaca essa importância é Eder Favaretto, proprietário do Rancho do Filé, Que recebe, em média, 800 clientes ao ano, em busca da pesca esportiva da espécie. Para ele, o tucunaré se tornou um dos pilares do turismo local, impulsionando toda a cadeia ligada à pesca esportiva.
“A pesca esportiva vem crescendo muito e isso tem atraído um número cada vez maior de turistas. Esse movimento beneficia não só nós, que trabalhamos diretamente como guias, mas todo o comércio da região, hotéis, postos de combustível, restaurantes. O tucunaré tem movimentado tudo isso.”
Segundo ele, os reflexos desse crescimento são perceptíveis não só no Mato Grosso do Sul, onde a operação está localizada, mas em outras localidades onde a espécie é encontrada.
“O tucunaré só traz benefícios. Não é algo restrito à nossa cidade, várias regiões que têm a espécie já sentem esse impacto positivo.”
Em Capitólio-MG, onde o turismo já gira em torno do Lago de Furnas, o tucunaré também se tornou parte da rotina de quem vive da atividade. Guias que trabalham na represa relatam que a espécie mudou o movimento na região e passou a atrair visitantes em busca de novas experiências no lago. É o caso do Jonnhy Goulart, que trabalha com a operação de pesca esportiva Rota Capitólio Fishing e acompanha, seguidamente, pescadores de várias partes do país.
Foto: Jonnhy / Rota Capitólio Fishing
"Hoje o tucunaré é o principal peixe que atrai os pescadores que eu atendo. Desde que a construção da barragem foi feita, aqui em Capitólio, nos anos 1960, o fluxo do rio foi interrompido e com isso, os peixes da represa acabaram perdendo a capacidade de desova, então o tucunaré foi inserido, e a partir daí começou uma nova oportunidade de renda para os municípios. Hoje, o pessoal pode trabalhar com pesca esportiva, pousadas em torno do lago, como guias de pesca, isso é uma nova oportunidade de renda pra represa de furnas" destacou.
A partir do momento em que um rio é barrado, como ocorreu no Lago de Furnas, todo o ambiente se transforma. Os micro-habitats mudam, a dinâmica da água muda, e muitas espécies nativas deixam de encontrar as condições necessárias para se manter.
Na época em que esses processos aconteceram, diferentes espécies foram introduzidas nessas regiões. Corvinas, carpas e outras espécies foram inseridas com objetivo de compor o estoque pesqueiro e fornecer alimento. Já o tucunaré foi trazido, principalmente, para ajudar no manejo das piranhas existentes na área. Posteriormente, a espécie passou a ganhar valor na pesca esportiva, com grande importância para o turismo e o desenvolvimento econômico.
Com todo este contexto, fica evidente que a expansão dessas espécies pelo território brasileiro mostra como ambientes diferentes respondem de formas também diferentes à sua presença. Um cenário complexo, que mostra como a distribuição dessas espécies pelo país reúne impactos, adaptações e novas dinâmicas.
É um tema que segue mobilizando especialistas, pescadores e gestores públicos e que ainda deve gerar muitos estudos, debates e diferentes interpretações.
Mas o fato é que essas espécies já fazem parte da realidade de muitas regiões e acompanhar esse cenário é essencial para compreender as mudanças que isso pode gerar no nosso meio ambiente, nos habitats aquáticos das nossas espécies e, também, como isso influencia na pesca esportiva do nosso país.
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